Por Rita Azevedo — De São Paulo
A quantidade de empresas de capital aberto que não são capazes de cobrir as despesas financeiras com a geração de caixa tem crescido e a tendência é que esse número continue em alta ao longo de 2023. É o que mostra estudo produzido pelo Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec- Fipe).
Os indicadores de endividamento das companhias, no geral, devem piorar, segundo Carlos Antonio Rocca, coordenador do Cemec-Fipe. “Isso não significa que deve ocorrer um desastre, mas que elas vão sair da situação confortável que estavam”, diz. “Não acredito que seja o suficiente para dizer que vamos viver uma crise de endividamento de empresas.”
Em 2019, 11,6% das companhias não conseguiam cobrir as despesas financeiras com o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda). Nos 12 meses encerrados em setembro de 2022, a parcela passou para 15,1%, segundo o estudo. A conta não chega até o fim do ano porque muitas ainda não divulgaram os balanços do quarto trimestre.
“Esse percentual deve aumentar neste ano, considerando as tendências de menor geração de caixa e a manutenção de juros nos patamares atuais”, diz Rocca, ponderando que a situação não é nem próxima da vista na crise de 2015, quando a fatia de empresas que não cobriam o custo das dívidas chegou a 28,3%.
A expectativa de redução da geração de caixa é baseada em alguns fatores, como o aumento dos custos de matéria-prima e do custo unitário do trabalho (indicador de competitividade). A economia está desacelerando. Ao mesmo tempo, a taxa básica de juros saiu de 2% para 13,75% ao ano, pressionando as despesas financeiras. Ao longo da pandemia, as companhias viram uma melhora na margem bruta decorrente do aumento dos preços e da estabilização de salários. Houve, porém, uma reversão do cenário, afirma Rocca.
No varejo, as empresas com geração de caixa inferior às despesas financeiras eram 9,8% no fim do terceiro trimestre. A parcela aumentou em relação ao ano anterior, quando estava em 7,9%, mas caiu bastante na comparação com os 17,6% anotados em 2019. Ainda está em aberto qual o impacto que o caso Americanas, que eclodiu em janeiro, terá sobre o setor.
O estudo mostra ainda que cerca de 14% das empresas de capital aberto apresentam índice de endividamento superior a 5 - bem acima do que seria ideal. O índice é calculado pela relação entre dívida líquida e Ebitda. “Geralmente, o indicador acima de 3 já é algo que preocupa”, diz Rocca. Em 2021, eram 13,4% das companhias na mesma situação.
Ricardo Knoepfelmacher, fundador da RK Partners, especializada em reestruturações de empresas, afirma que a alavancagem das companhias está em patamar melhor que o visto em outras crises, como a ocorrida no governo Dilma (PT). “No entanto, hoje há uma fragilidade muito grande porque a taxa de juros está muito alta e deve continuar alta por pelo menos mais um ano”, diz. “Isso significa que todas empresas que durante a pandemia encontraram facilidade para rolar suas dívidas vão enfrentar outro cenário agora.”
Salvatore Milanese, sócio da consultoria Pantalica Partners, lembra que, em 2020, no auge da crise sanitária, várias empresas chegaram ao ponto de não ter recursos para cobrir suas dívidas com a paralisação das atividades. “Houve, porém, a postergação de pagamentos de impostos e o aumento da concessão de crédito, que funcionaram como uma injeção de adrenalina para manter o sistema funcionando”, diz. Além das empresas abertas, foco do estudo do Cemec-Fipe, o especialista acompanha a situação das companhias de capital fechado.
As dificuldades no pagamento das dívidas, por ora, estão concentradas nas pequenas e médias empresas, mas o número de médias e grandes que buscam negociar débitos tem aumentado, diz Knoepfelmacher. “O número de renegociações e recuperações judiciais deve crescer neste ano, porque é difícil pagar uma taxa de juros efetiva de 20% [ao ano], mesmo estando com um grau de alavancagem melhor do que há oito anos.”
Na Pantalica, o número de propostas de renegociação de dívidas passou do ritmo de dez por mês, visto até o terceiro trimestre, para 30 atualmente. “Essa piora da situação das empresas não é absolutamente boa pra ninguém. É ruim para o cenário de crédito e deve tornar os bancos mais seletivos na concessão de recursos.”