Empresas devem ter situação financeira melhor em 2024

Empresas devem ter situação financeira melhor em 2024

 

Pesquisa do Cemec-Fipe mostra que captação líquida das companhias ficou em R$ 88,7 bilhões no 3o tri até agosto bem acima do 1º tri

 

Por Álvaro Campos — De São Paulo

 

Depois de um 2023 difícil, com aumento da inadimplência, o caso Americanas, uma seca curta – mas aguda – nos mercados de capitais e incerteza macroeconômicas internas e externas, a situação das empresas deve melhorar no próximo ano. A inadimplência em pessoa jurídica ainda deve subir um pouco mais este ano, mas a expectativa é que atinja um ponto de inflexão em breve e, com a queda da Selic, 2024 seja um ano um pouco mais tranquilo.

Um levantamento do Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec-Fipe) mostra que a captação líquida das empresas ficou em R$ 88,7 bilhões no terceiro trimestre até agosto, não muito distante da média dos últimos meses, mas bem acima dos números do primeiro trimestre, que foram impactados pelo episódio Americanas. Há uma força sazonal do crédito direcionado, leia-se Plano Safra, mas uma recuperação também dos mercados de capitais. A média móvel trimestral do volume de emissões de debêntures atingiu em agosto R$ 17,6 bilhões, o maior nível em seis meses.

“Embora a modesta recuperação da oferta de crédito privado a partir de março tenha revertido a tendência rumo a uma crise de crédito, existe ainda parcela considerável de empresas com dificuldades de rolagem de dívida e atendimento aos seus compromissos financeiros. Nossas projeções indicam alguma continuidade do aumento da inadimplência nos próximos meses, com provável reversão a partir do início de 2024”, afirma Carlos Antonio Rocca, coordenador do Cemec-Fipe.

Ainda assim, ele ressalta que existem indicações no sentido de superação gradativa das dificuldades financeiras das empresas, especialmente no próximo ano. “As taxas de juros de recursos de crédito bancário e do mercado de capitais já iniciaram movimento de queda antes mesmo da redução da taxa Selic em agosto, refletindo as quedas das curvas de juros. Nossas projeções indicam a queda do custo médio de dívida das empresas daqui por diante e especialmente em no primeiro semestre de 2024.”

A nota de crédito do Banco Central referente a agosto já deveria ter sido publicada, mas o calendário está atrasado em função da mobilização dos servidores da autarquia. A pesquisa de crédito da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) aponta que o saldo total da carteira de crédito deve avançar 0,8% em setembro, com crescimento disseminado entre os recursos e segmentos, mas liderado pelo crédito às empresas, com estimativa alta de 1,2%. Já a carteira destinada às famílias deve mostrar um crescimento mais modesto, de 0,6%. Outro levantamento da entidade, a pesquisa de economia bancária, estima que o crescimento do crédito ficará em 7,6% este ano e 8,1% no próximo.

Entre PJs, a pesquisa da Febraban estima que o crédito livre deve passar de crescimento de 11,9% em 2022 para 2,3% este ano e 7,7% no próximo. Já o crédito direcionado deve sair de 18,0% para 10,2% e 7,9%, respectivamente. “Há uma expectativa de melhora no crédito a empresas no ano que vem. Tem a própria redução dos juros, este ano tivemos o evento Americanas e o impacto nos recebíveis, e a inadimplência mais alta. Então, no ge diria que temos boas perspectivas para frente”, comenta Rubens Sardenberg, diretor de economia, regulação e riscos da Febraban.

Rafael Schiozer, professor de Finanças da FGV, também acredita que 2024 deve ser melhor para as empresas, embora não espere um cenário tão animador assim. “O simples fato de a Selic cair contribui para levar a inadimplência um pouco para baixo, a atividade econômica não vai ser ruim, então devemos observar crescimento do crédito bem razoável, um pouco mais que a inflação”.

A inadimplência PJ ficou em 2,7% em agosto, superando os patamares pré-pandemia e atingindo o maior nível desde maio de 2018. Enquanto em pessoa física o índice de calotes já dá sinais de ter atingido o pico, em PJ esse movimento ainda não está claro. “A projeção é que aumente um pouco mais até o fim do ano e a partir daí comece a cair. E temos de lembrar que a inadimplência tem um efeito defasado sobre as falências e recuperações judiciais, que seguem subindo”, comenta Roca.

Na semana retrasada, ao divulgar seus resultados no terceiro trimestre, o CEO do Santander Brasil, Mario Leão, comentou que o banco foi mais cauteloso no primeiro semestre com as pequenas e médias empresas (PMEs), onde a inadimplência subiu mais fortemente, mas que já voltou a crescer. Segundo ele, a melhora geral da inadimplência no terceiro trimestre consolida a estratégia da instituição de retomada do crescimento. Para executivo, seguindo a evolução da inadimplência, a instituição se provoca como esse movimento pode se refletir em apetite maior de crédito. Ele comentou ainda que “a gente só sabe que o pico da inadimplência passou depois que ele passa”.

Para Schiozer, da FGV, 2023 ainda teve o vencimento de parte das operações que foram renegociadas no início da pandemia, o que não terá mais efeitos sobre 2024. Além disso, algumas mudanças regulatórias, como o marco das garantias, e mesmo o programa de renegociação de dívida Desenrola podem dar uma contribuição adicional para que os bancos concedam mais crédito às empresas. “O endividamento PF preocupa, já as empresas não estão super alavancadas, nem mesmo as pequenas. Então tudo vai depender um pouco do ambiente interno, com a questão fiscal, do externo, especialmente nos Estados Unidos, onde a política monetária deve permanecer restritiva”.

Rocca lembra ainda do risco de eventos imprevisíveis, como é o caso do conflito entre Israel e o Hamas. “Por enquanto a guerra afetou relativamente pouco o preço do petróleo, mas se o barril passar de US$ 100, por exemplo, aí a situação muda, porque isso afeta câmbio, expectativa de inflação curva futura de juros”.

Se no início do ano havia algum temor em relação ao papel dos bancos públicos no novo governo Lula, por enquanto os receios de uma atuação muito mais forte dessas instituições parece ter acalmado. Nem mesmo na esteira da crise da Americanas, quando se chegou a estudar alguma forma de usar programas como o Pronampe para ajudar mais diretamente alguns segmentos específicos, houve rumores de entrada mais forte dos bancos públicos. “Por enquanto está tudo bem, o discurso do BNDES, por exemplo, é de complementariedade, de atuar nos segmentos onde o setor privado não chega. Então não estamos nem perto da situação de ‘campeões nacionais’ que a gente teve no governo Dilma, mas todo cuidado é pouco”, comenta um executivo do setor.

Deixe seu comentário