Por Liane Thedim — Do Rio
O choque que atingiu o mercado de crédito este ano fez os empréstimos bancários praticamente secarem. Levantamento do Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec-Fipe) mostra que o setor chegou a ter captação líquida negativa de R$ 11,5 bilhões no pior momento, o que correspondeu a -0,4% do PIB, entre fevereiro e abril (crédito bancário com recursos livres). O estudo revela também que, nesse mesmo período, o crédito privado ficou positivo em R$ 40,5 bilhões (1,61% do PIB) e respondeu por praticamente todo o saldo.
Para Carlos Antonio Rocca, coordenador do Cemec, sem este mercado mais robusto, o Banco Central poderia ter sido obrigado a intervir. “Objetivamente, o mercado de crédito privado continuou tendo captação líquida positiva e agregando recursos para financiar as empresas, o que não aconteceu com o bancário. A experiência internacional mostra que o melhor sistema financeiro tem várias fontes. Uma fonte sofre mais, outra menos, e a liquidez sustenta o mercado ativo”, explica Rocca.
O professor lembra, no entanto, que, para as empresas pequenas e médias, o mercado de capitais ainda é difícil, e elas acabam recorrendo mesmo ao crédito bancário. “Elas não têm alternativa das emissões, mas podem negociar com os fundos de direitos creditórios seus recebíveis securitizados”, afirma. Vale lembrar que os FIDCs são considerados de risco mais alto.
É a terceira crise a que o mercado foi submetido em menos de quatro anos. Em 2019, foi menor e mais rápida. Havia um excesso de otimismo, que levou os spreads a quase zero, ou seja, empresas estavam pagando o mesmo juro que o governo, o que levou a uma correção pouco perceptível aos menos envolvidos com o dia a dia. Logo depois veio o terremoto da pandemia, em 2020, quando o segmento quase desapareceu: a captação líquida despencou de R$ 180 bilhões em 2019 para R$ 12,1 bilhões, segundo o Cemec. Isso porque os incentivos do governo foram direcionados aos bancos.
O quadro se normalizou em 2021, que acabou com captação líquida de R$ 311,7 bilhões, ainda conforme o Cemec, e 2022, com R$ 306,4 bilhões. Agora, o susto veio logo depois da virada do ano, com as primeiras notícias sobre o rombo na Americanas e, em fevereiro, com a recuperação judicial da Light. As empresas seguraram emissões, que caíram 35% entre janeiro e maio, e, no mercado secundário, além de baixa liquidez, os spreads explodiram.
O crescimento mais significativo do crédito privado começou em 2017, mostra o Cemec: o segmento saiu de 0,3% do PIB em 2015 para o pico de 3,5% em 2021. Com ele, veio o boom de fundos especializados. Estudo feito pela TC Economatica a pedido do Valor mostra que, em 2015, eram 930 fundos em gestoras independentes, com um patrimônio líquido total de R$ 92,6 bilhões e 22 mil cotistas. Hoje são 3.609, com PL total de R$ 492,7 bilhões e 554 mil cotistas.
“Se o mercado de crédito não tivesse crescido tanto, a história hoje seria bem diferente, e as empresas teriam problemas, porque os bancos são os primeiros a reduzir a oferta quando as coisas pioram. E os fundos têm como único objetivo tomar risco de crédito”, avalia Fausto Filho, gestor de renda fixa da XP Asset.
Rogério Poppe, CEO da ARX Capital, vê no momento um freio de arrumação. “O mercado estava equilibrado, tomou um susto, isolou o varejo até entender se poderia haver outros problemas, mas perdeu liquidez. Teve resgates, aproveitamos para refazer nossa carteira. Foi um sinal de maturidade, as taxas já estão voltando ao normal. Isso vai permitir que fique muito maior nos próximos anos, porque vai trazer confiança para investidores e empresas.”
Filho, da XP Asset, concorda: “Não acho ruim que o mercado esteja mais cauteloso, porque há diferenças de desempenho e perspectiva entre setores da economia. Por isso, está precificando melhor riscos, o que é bom para o cotista”. Ele aponta que o estoque de CDB cresceu de R$ 950 bilhões em 2019 para R$ 2 trilhões até abril deste ano, uma migração de recursos para ativos bancários que podem retornar para o crédito privado.