Por Vinicius Neder — Rio
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiou a operadora de ferrovias Rumo com R$ 750 milhões, em setembro, e está para contratar R$ 900 milhões para a ViaSul, concessionária de rodovias no Rio Grande do Sul, as duas operações por meio da compra de títulos de dívida emitidos pelas empresas. Com isso, serão seis operações do tipo só neste ano, no valor total de R$ 8,2 bilhões.
O financiamento via títulos de dívida é diferente dos empréstimos. Nos empréstimos, o BNDES contrata um valor total e libera o crédito aos poucos, conforme o andamento dos investimentos – que pode levar anos.
Com os títulos, o banco entra como investidor nas ofertas que as empresas fazem ao mercado, repassa os recursos de uma vez, mas é mais fácil revender esses papéis nos anos seguintes, liberando os recursos para novos financiamentos.
Segundo Felipe Borim, superintendente da Área de Infraestrutura do BNDES, o banco aumentou sua capacidade de investir nesses títulos desde que ganhou autorização para coordenar ofertas, em 2021. Ao mesmo tempo, a crise financeira da Americanas assustou investidores em papéis de empresas. Com demanda menor, algumas companhias adiaram ofertas.
– Este ano teve uma coisa que alinhou os astros. Fomos ganhando mais maturidade (para coordenar ofertas), mas teve a crise das Americanas, que secou o mercado (suspendeu operações). Aí, fomos chamados e entramos em algumas operações muito relevantes, com esse papel de banco de desenvolvimento, de viabilizar os investimentos – afirmou Borim ao GLOBO.
Atrair mais financiadores é uma das vantagens
Segundo o executivo, uma das vantagens dessa estratégia é atrair outros financiadores. Quando o BNDES concede um empréstimo, todos os recursos vêm do banco de fomento. Quando participa de uma oferta de títulos, o BNDES pode ficar com uma fatia menor do financiamento, ampliando as fontes de recursos para viabilizar os projetos de investimento.
No caso da Rumo, segundo Borim, o banco ficou com a metade da oferta, de R$ 1,5 bilhão. Na operação que está para ser fechada com a ViaSul, controlada pela CCR, o BNDES ficará com todos os títulos que serão ofertados, no valor de R$ 900 milhões – o pacote de financiamento inclui ainda um empréstimo de R$ 300 milhões e mais R$ 250 milhões numa linha de crédito aprovada, mas que pode ser usada ou não.
O mesmo ocorreu na maior das operações, em abril. Segundo Borim, o BNDES investiu, sozinho, numa emissão de R$ 2,5 bilhões da ViaMobilidade, a concessionária, também da CCR, que opera as Linhas 8 e 9 dos trens metropolitanos de São Paulo. O pacote total de financiamento soma R$ 4,6 bilhões, com empréstimos, como anunciado em janeiro.
Com risco maior, operações não sairiam
Segundo Borim, por causa do aumento da aversão dos investidores ao risco, com a crise da Americanas, algumas das empresas sinalizaram que as ofertas de títulos não sairiam do papel sem o BNDES.
A participação do banco garante que a operação sairá do papel, mesmo que a demanda dos investidores seja baixa. Isso é mais importante em momentos de estresse no mercado, como crise da Americanas.
Até nos casos em que o BNDES fica com uma fatia menor das ofertas, a participação serve para atrair outros investidores. Segundo Borim, gestores e fundos de investimento aumentam a confiança nos papéis quando o banco está na operação, por causa da capacidade de analisar os projetos.
Saneamento teve as maiores ofertas da história
Isso ocorreu nas duas maiores operações da história com debêntures de infraestrutura – títulos de dívida que têm isenção de tributos para investidores. As ofertas foram da Iguá Rio e da Águas do Rio. As duas são concessionárias de água e esgoto no Rio, em áreas antes com a Cedae.
Em junho, o BNDES ficou com R$ 1,8 bilhão da oferta de R$ 3,8 bilhões feita pela Iguá Rio, controlada pela Iguá Saneamento, como revelou o GLOBO na ocasião. Sozinho, o banco de fomento abocanhou 47% do total.
A operação da Iguá se manteve como a maior até a oferta da Águas do Rio. A concessionária, controlada pela Aegea, levantou R$ 5,5 bilhões no mercado, dos quais R$ 1,9 bilhão, ou 35%, ficaram com o BNDES. Essa oferta completa um pacote de financiamento multibilionário – em dezembro, o BNDES aprovou empréstimo de R$ 19,3 bilhões para a empresa, o segundo maior da história do banco, atrás apenas do para a Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
Subsídios inibiram ofertas de títulos, dizem críticos
Críticos de uma participação maior do BNDES na economia alegam que o excesso de crédito a juros abaixo dos de mercado entre 2009 e 2016 inibiu as ofertas de títulos de dívida pelas grandes companhias. A atual diretoria do banco de fomento defende que as atuações são complementares.
Segundo Carlos Antonio Rocca, coordenador do Centro de Estudo de Mercado de Capitais (Cemec), essa inibição terminou com a alteração nos juros do BNDES. Uma nova taxa, a TLP, passou a valer a partir de 2018, equiparando os juros do banco de fomento das demais taxas de mercado.
Para Rocca, a participação do BNDES nas ofertas de títulos é “extremamente positiva”, porque atrai mais investidores – por causa da qualificação do banco na análise dos projetos – e traz demanda para papéis com prazos mais longos:
– É como se os recursos do BNDES tivessem um efeito multiplicador. Ele está alavancando um volume muito maior de investimentos do que aquilo que está fazendo com recursos próprios.