Valor Econômico: Após subir na covid, capacidade de poupar retorna a quase zero

Por Marcelo Osakabe:

A capacidade do brasileiro de economizar parte de sua renda está se aproximando novamente de zero após o forte impulso observado durante a pandemia da pandemia da covid-19. Depois de bater um pico de 19,8% em março do ano passado, o coeficiente de poupança em relação à renda vem caindo quase que ininterruptamente até chegar a 3,3% em junho.

É o que sugere um trabalho do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Cemec/Fipe). Segundo esse indicador, essa proporção está perto de patamares não vistos desde antes da pandemia - na passagem de 2019 para 2020, ela estava perto de zero.

O brasileiro chegou a poupar, em média, R$ 19,8 a cada R$ 100 que recebia de renda em março de 2021. Desde então essa proporção foi caindo paulatinamente até chegar a R$ 3,30 no final do primeiro semestre.

O cálculo - espécie de indicador da propensão a poupar na forma de ativos financeiros - foi feito a partir das estimativas de renda disponível divulgadas pelo Banco Central e do fluxo de poupança das famílias do Cemec-Fipe, que agrega dados da caderneta de poupança e outros ativos financeiros, como renda fixa ou ações.

Uma consequência do esgotamento desse processo é a normalização de outro fenômeno que aconteceu paralelamente a ele nos últimos meses, o do consumo aumentando com intensidade superior ao do crescimento da renda.

“Uma parcela cada vez menor da renda indo para a poupança significa uma parcela maior voltada ao consumo. Esse fator ajuda a explicar o crescimento mais forte que o esperado do consumo e também do PIB no período recente”, diz Carlos Antonio Rocca, coordenador do Cemec-Fipe.

A poupança das famílias é um importante componente da poupança agregada da economia, cerca de dois terços, diz Marcelo Kfoury Muinhos, professor da Escola de Economia de São Paulo (EESP), da Fundação Getulio Vargas (FGV). As empresas contribuem com outro terço, ao passo que o governo tem tido contribuição zero.

“Esse crescimento da poupança é algo que aconteceu também em outros países. Nos Estados Unidos, houve um acréscimo de poupança de 12% do PIB durante a pandemia. A reversão desse processo, aparentemente, é o que ajudou a ter um crescimento mais forte que o esperado e também uma inflação acima do previsto este ano.”

No Brasil esse empurrão ao consumo também recebeu ajuda do governo, que pisou no acelerador dos gastos por causa da eleição. Apesar disso, o setor público deve registrar o primeiro superávit desde 2013, nota.

Apesar dessa normalização, a poupança construída durante a pandemia pelos brasileiros não diminuiu, pelo contrário. Após fechar 2021 em R$ 529 bilhões, esse saldo chegou a cair no primeiro trimestre deste ano, tocando os R$ 490 bilhões, antes de voltar a crescer. Em agosto, estava em aproximadamente R$ 563 bilhões, segundo o Cemec-Fipe.

Um volume de recursos dessa magnitude, ressalta Rocca, significaria uma injeção equivalente a oito ou nove pontos percentuais no consumo do ano.

“Vale notar que falamos sobre dados agregados. As famílias têm realidades muito diferentes dependendo do nível de renda. O que temos visto é que as de maior renda, que sofrem em menor intensidade com a inflação, não tiveram muito problema em continuar poupando”, diz Rocca.

No monitoramento da Tendências Consultoria sobre o estoque poupança agregada das famílias, a caderneta de poupança - modalidade usada pelas faixas de renda mais baixa - já caiu a patamares anteriores ao da crise. Em setembro, ela somava R$ 982,4 bilhões, contra R$ 998,4 bilhões em janeiro de 2020. O valor mais recente representa queda de 16% em relação ao pico recente da série, de dezembro de 2020 (R$ 1,18 trilhão).

“A caderneta de poupança, que cresceu bastante principalmente por causa dos auxílios da pandemia, vem perdendo volume e também participação na poupança agregada. Por outro lado, quem tem ganhado mais espaço é o Tesouro Direto e outras modalidades de renda fixa, como letras financeiras”, diz a economista Isabela Tavares. “Esse movimento vem acompanhando o cenário da Selic, que estimula um investimento de perfil mais seguro.”

O acompanhamento da Tendências também apontou queda no estoque da poupança agregado das famílias no primeiro semestre. Este voltou a se recuperar desde então. “Existe todo esse cenário de incerteza na economia, que ajuda a investir, e não consumir, além da Selic e inflação altas, que são incentivos a mais a mais para investir porque aumentam os rendimentos financeiros”, diz Tavares. Dessa forma, o estoque de poupança agregada das famílias seguiu em alta. Em setembro, foi de R$ 4,7 trilhões, cerca de R$ 1 trilhão mais que o saldo de janeiro de 2020.

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