O crédito corporativo em tempos de Americanas e juro alto

Em abril de 2022, escrevi um neste espaço sobre o crédito para empresas no contexto de juros altos. O cenário não parecia muito preocupante, uma vez que as empresas estavam menos alavancadas do que em outras ocasiões. Mas duas coisas mudaram nos últimos meses: a perspectiva de queda da Selic ficou mais distante com os ruídos políticos criados após a eleição; e, para piorar, tivemos o caso Americanas. Desde que a empresa parou de pagar suas obrigações caiu drasticamente o volume de operações de crédito corporativo de grau de investimento no mercado de capitais. Já os bancos ficaram mais seletivos.

Os fundamentos das empresas estão se deteriorando, mas, por ora, ainda estão muito mais saudáveis do que no início da recessão de 2015. O professor Carlos Antonio Rocca, do centro de estudos de mercado de capitais da Fipe, calcula os índices de alavancagem das empresas abertas. No terceiro trimestre de 2022, no universo de empresas abertas no Brasil, 13,9% tinham índice de alavancagem maior do que 5. Isso é melhor do que no final de 2019, quando esse percentual era de 17,3%, mas um pouco pior que em relação ao final de 2021. O mesmo comportamento acontece quando se olha o índice de alavancagem maior do que 4. Já o percentual de empresas com despesas financeiras superiores ao Ebitda era de 11,6% em 2019. Nos 12 meses encerrados no terceiro trimestre do ano passado, passou para 15,1%. Em 2015, esse indicador era de 28,3%, consideravelmente pior.

Os dados do Banco Central começam a mostrar desaceleração. Em janeiro, o saldo de crédito ampliado, que inclui títulos e securitização, subiu 10% em relação ao mesmo mês de 2022 — enfraquecendo-se na comparação com junho, quando crescia 14%. O crédito bancário para PJ, nas mesmas janelas, perdeu força: de 12,7% para 8%. A concessão cresceu só 2,7% em janeiro sobre uma base forte. A inadimplência subiu de 1,7% em janeiro de 2022 para 2,2% em janeiro 2023.

A Anbima divulgou os dados de fevereiro, que já permitem ver os efeitos secundários da crise da Americanas. A emissão de debentures caiu de 24,3 bilhões de reais em fevereiro de 2022 para 6,6 bilhões de reais, queda de 73%. Notas comerciais, CRAs, CRIs e FIDCs tiveram quedas parecidas. Nenhuma operação relevante saiu a mercado desde então. Empresas que precisavam rolar dívidas e contavam com a emissão de títulos precisaram encontrar outras alternativas. O mercado internacional também não foi uma opção. Poucas companhias brasileiras conseguiram emitir bonds neste início de ano.

Dois indicadores importantes para avaliar a duração do problema são: a movimentação de captação e resgates de fundos de investimento de renda fixa que compram parte importante das debêntures emitidas; e as negociações no mercado secundário de títulos. Em fevereiro, os fundos de renda fixa perderam 7,5 bilhões de reais, com as saídas bastante concentradas nos fundos relevantes para as debêntures. No ano, esses fundos (que, pela categoria Anbima, são os fundos de baixa e média duração grau de investimento) já perderam mais de 20 bilhões de reais. O nível de caixa desses fundos subiu nos últimos anos, o que facilitou a absorção do choque.

Além do medo causado pelas notícias, os investidores sentiram no bolso a queda de valor dos títulos. O índice que mede o desempenho das debêntures (o IDA) caiu entre 11 de janeiro e 2 de março quase 3%. Essa queda é um pouco menos da metade da registrada durante março de 2020, em razão da Covid. Para as empresas, o resultado disso é que a emissão de títulos ficou por volta de 100bps mais cara, em média. A liquidez no mercado secundário não foi um problema, mas a alta das taxas dos títulos fez com que a diferença entre as taxas pedidas pelos vendedores e as oferecidas pelos compradores tivessem uma diferença de 100bps, muito acima do normal — de, aproximadamente, 25bps.

O momento é delicado para o crédito às empresas no Brasil. Pelo lado positivo, as empresas chegaram aqui com saúde financeira muito melhor do que em ciclos anteriores: a alavancagem mais baixa e as dívidas, mais longas. O efeito da recuperação judicial da Americanas deve perder importância ao longo do tempo. Entretanto, os juros continuarão altos — e os bancos tendem a continuar mais seletivos. Pode ser necessário alguma política pública para evitar um “credit crunch”. O Banco Central já mostrou no passado que pode agir com programas específicos, se necessário, evitando misturar o debate de corte de juros com um problema real de crédito.

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